Sentir faz parte.

Há quem pense que a meta da psicoterapia é deixar de sentir emoções desagradáveis. Quem dera se nós psicóloges tivéssemos a fórmula mágica para uma vida baseada apenas em felicidade! Sem dúvidas já teríamos conquistado o mundo e, acredito eu, isso tornaria mais fácil a busca pelo cuidado em saúde mental. Porém, é preciso sentir.

A famosa frase de Descartes “Penso, logo existo”, poderia ser facilmente adaptada para “Existo, logo sinto”. As emoções são inerentes à vida, elas são a nossa bússola e indicam não só para onde ir, mas de onde devemos nos afastar.

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Sentimentos como felicidade, satisfação e gratidão nos mostram o que nos faz bem e deve estar inserido, de alguma forma, na nossa vida. E, não me entendam mal, mas não estou me referindo aqui somente às grandes felicidades e satisfações, como ganhar na Mega-Sena, encontrar o amor da vida ou conseguir uma importante promoção no trabalho. Me refiro também àqueles momentos que passam quase despercebidos como falar com uma pessoa querida, tomar um café ou receber um bom dia. Embora, muitas vezes, nem enxerguemos esses momentos, eles estão lá e estamos sentindo.

Contudo, a grande orquestra do sentir também é composta por algumas emoções que, por vezes, evitamos. Ansiedade, tristeza, raiva são fundamentais para a nossa existência. Assim como as emoções positivas, as emoções negativas são temporárias, ainda que muitas vezes pareçam durar uma eternidade! E, mais importante, elas nos GUIAM. Nos afastam do que nos faz mal, nos mostram o que é realmente importante para nós.

Portanto, sentir não é um problema, seja lá qual for a emoção. O que a torna um problema é como reagimos a ela, quando a diminuímos ou evitamos. A emoção SEMPRE tem uma razão e SEMPRE deixa uma mensagem importante sobre o que realmente importa para nós. Quando a calamos, ficamos perdidos.

É preciso se autorizar, se permitir sentir. E, ao sentir, é necessário compreender: qual a mensagem que essa emoção me traz hoje? Por que ela está aqui? Quando uma pessoa amada está passando por um momento difícil, o que tendemos a fazer? Dizer que o que ela sente é uma besteira e que ela não deveria estar assim? Seria cruel, certo? Inúmeras vezes fazemos isso com nós mesmos e ISSO faz com que a emoção fique ali, como um alarme disparado, tentando cumprir o seu papel.

Bom, não espero que esse humilde e reduzido texto baste para que você lide com as suas emoções. Mas espero trazer uma reflexão que te faça, ao menos, percebê-las, e ter a clareza de que o papel da terapia é tornar, em trabalho conjunto, essa orquestra mais harmônica para uma vida que valha a pena, apesar de.

Nathálya Ribeiro – Psicóloga

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Saúde Mental no primeiro lugar

Simone Biles, estupenda atleta estadunidense e referência na ginástica artística, esporte de altíssimo grau de dificuldade e nível de exigências pessoais, possuidora de conquistas que dispensam comentários.

Biles recentemente foi eleita pela Revista People como uma das personalidades do ano, mas não por suas já habituais conquistas, mas por uma decisão pessoal que foi além dos limites do ginásio.

Em plena Olímpiadas, competição que atletas treinam durantes anos, por quase o dia inteiro, que requer um severo grau de abdicação pessoal em prol da busca pela participação no evento, Biles, como favorita ao ouro nas modalidades nas quais competia, desistiu de competir em três de suas categorias, priorizando sua saúde mental, e por conseguinte, física.

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Não era um evento qualquer, era o local para o qual estavam apontados todos os holofotes. Não era representando um país que já estava feliz “somente” por sua participação, mas um que cobra e está acostumado a receber o lugar mais alto do pódio.  Eram anos de esforço imenso reduzidos praticamente a pó. Mas mesmo assim ela decidiu não competir.

Só que o cenário posterior a sua decisão, talvez tenha sido tão difícil quanto os anos de treinamento. Egoísta e covarde foram os adjetivos utilizados. E Biles, quando tomou sua decisão, sabia que isso ocorreria. Mas então, por quê?

De forma objetiva, com a saúde mental abalada, existia um sério risco da ocorrência de lesões definitivas, pois estavam ocorrendo os chamados “Twisties”. Não era apenas um medo de decepcionar sua torcida ou tornar realizado quem torcia por seu fracasso, mas uma espécie de vertigem que prejudicava seu equilíbrio noção de espaço, o que em um esporte com a ginástica, poderia ser, literalmente, fatal.

Somente esse risco já bastaria para sua desistência, mas sua decisão foi transformada por alguns em um debate para tratar de importantes temas de uma forma somente a corroborar com as próprias convicções. Utilizou-se sua situação extrema para “atacar” um sociedade que, segundo alguns críticos, está formando cada vez pessoas menos resilientes, utilizando uma infinidade de exemplos de atletas que superaram dificuldades durante a competição, como o notório caso da suíça Gabriela Andersen-Schiess, maratonista, que nas Olímpiadas de 1984 chegou a linha de chegada cambaleante e totalmente fora de si devido a desidratação, em épica cena (re)transmitidas em demasia vezes até hoje, uma efetiva “heroína olímpica”.

Só que se esquecem ou desconhecem que a própria Gabriela condena sua atitude e explica que não, ela não estava em condições de decisão e sim, ela absurdamente colocou sua vida em risco. Não foi somente superação, foi quase um sacrifício, que ficou bonito na frente das câmeras, mas que poderia ter destruído uma família. Ah, mas poderia, não ocorreu, dirão alguns. Mas são casos fora da curva que muitos utilizam para validar ações que resultam em sérios erros.

Aceitar os limites, também é superação. Não confundam como uma ode ao fracasso sem persistência, pois essa é uma linha nem tão tênue que o “coachismo” do “trabalhem enquanto os outros dormem” insiste em desconsiderar. Um filho prefere sua mãe viva sem completar uma prova do que uma heroína olímpica ausente.

Biles com sua decisão não diz para as pessoas não se esforçarem ou desistirem facilmente, até porque não são comuns pessoas que aguentam tão densa rotina do esporte de alto rendimento. O que ela traz em sua atitude é que há vida além do seu trabalho, que cada pessoa é mais do que sua atividade define e principalmente que a saúde mental, importa. As entidades esportivas ou as grandes empresas devem sim focar no alto rendimento, pois o belo se encontra na excelência, mas não somente nela. O caminho percorrido não pode conter só romantizados espinhos. E que é normal cair, mas que ter vergonha de admitir que precisa de ajuda, não deve ser o padrão.

Um atleta não é só um atleta. O que se vê nas telas, no pódio, é o resultado de um processo, mas não um definidor de caráter. Há muito por detrás da vitória e da derrota, e existe mais ainda dentro da pessoa. Acolher e respeitar decisões como a de Biles serve para ajudarmos a formar um ambiente onde as pessoas podem falar de seus medos, reclamar de suas pressões serem julgadas, ao invés de segurar até um devastador transbordar. Tentar relativizar isso ou fazer parecer que se está tentando glamourizar o fracasso só reafirma o quanto ainda temos que caminhar para nos tornarmos uma sociedade saudável.

O que deve ficar é que o conteúdo mental de cada um vai muito além dos limites do corpo físico e do que aparece nas ações cotidianas e que cada mente é um potencial agente transformador da sociedade. E principalmente que enquanto negarmos tal condição, teremos cada vez mais clínicas cheias de “Gabrielas Andersens”, enquanto a sociedade precisa mais de “Simones Biles”. 

Eduardo Mendes – Consultor jurídico

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Sobre vitórias e vitórias

Passamos a vida toda correndo atrás dos grandes feitos, épicas conquistas que servirão de exemplo para futuras gerações e pelas quais seremos reconhecidos.

Mas e o caminho para o pote de ouro? Deixar de vivenciar ele em prol de algo longínquo e incerto, o que nos traz? E mais, será que nos reduzirmos, limitarmos nosso significado a busca por uma vitória específica, não significaria também uma mitigação do que poderíamos ser no decorrer do processo?

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Esse tipo de visão está demasiadamente presente em nossa sociedade, uma espécie de raso uso da famosa expressão “os fins justificam os meios”. Ela serve para justificar padrões que são dolorosos de serem modificados. Vitórias raras ganham status de heroísmo que fazem parecer que o sofrimento, as perdas no caminho, compensam tudo. Uma criança que consegue, contra todo o prognóstico futuro, chegar a uma profissão com alto retorno financeiro não deveria ser vista somente pela ótica do “trabalhe enquanto eles dormem”. Essa concepção é rasa demais para explicar, na verdade, qualificar, uma pessoa. Exceções que se afirmam pelo fim não devem ser vistas como padrões a serem seguidos, ainda mais quando reafirmam ataques ao desenvolvimento saudável.

As histórias dos que fracassam raramente servem. A serventia procede do que passa a mensagem que se um pode, todos podem, fornecendo a impressão de que basta querer, de que a culpa pela derrota é somente sua e que não importa o que se perde no processo.  É uma lacuna benéfica ao status quo, que deixa passar, na medida de um conta-gotas, algum pouco afortunado, para manter a esperança dos outros. Que atenta contra a saúde mental, ao mesmo tempo que reafirma a importância dela no processo.

Essa visão que deixa à margem experimentar o caminho, nega as várias possibilidades de sentir as conquistas do dia a dia, porque sempre existirá uma “grama do vizinho” aparentemente mais bonita, uma patológica excelência. O combustível para a vida deve estar além da gana pela típica vitória grandiosa, do controle excessivo na busca de um determinado fim, uma receita de bolo onde parece que todos possuem a mesma medida e que diminui a pessoa a somente seu trabalho.

Quando se perde muito no caminho, será que o que sobra consegue aproveitar o fruto de tanto esforço? Deixar de vivenciar emoções, perceber erros e acertos, experenciar as dores e os afagos do desenvolvimento com certeza não resultam em uma pessoa mais saudável, só, com sorte, em alguém conformado, que soterrou as próprias vontades e virtudes.

Eduardo Mendes – Consultor jurídico

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