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25 de janeiro de 2021

Saúde Mental no primeiro lugar

Simone Biles, estupenda atleta estadunidense e referência na ginástica artística, esporte de altíssimo grau de dificuldade e nível de exigências pessoais, possuidora de conquistas que dispensam comentários.

Biles recentemente foi eleita pela Revista People como uma das personalidades do ano, mas não por suas já habituais conquistas, mas por uma decisão pessoal que foi além dos limites do ginásio.

Em plena Olímpiadas, competição que atletas treinam durantes anos, por quase o dia inteiro, que requer um severo grau de abdicação pessoal em prol da busca pela participação no evento, Biles, como favorita ao ouro nas modalidades nas quais competia, desistiu de competir em três de suas categorias, priorizando sua saúde mental, e por conseguinte, física.

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Não era um evento qualquer, era o local para o qual estavam apontados todos os holofotes. Não era representando um país que já estava feliz “somente” por sua participação, mas um que cobra e está acostumado a receber o lugar mais alto do pódio.  Eram anos de esforço imenso reduzidos praticamente a pó. Mas mesmo assim ela decidiu não competir.

Só que o cenário posterior a sua decisão, talvez tenha sido tão difícil quanto os anos de treinamento. Egoísta e covarde foram os adjetivos utilizados. E Biles, quando tomou sua decisão, sabia que isso ocorreria. Mas então, por quê?

De forma objetiva, com a saúde mental abalada, existia um sério risco da ocorrência de lesões definitivas, pois estavam ocorrendo os chamados “Twisties”. Não era apenas um medo de decepcionar sua torcida ou tornar realizado quem torcia por seu fracasso, mas uma espécie de vertigem que prejudicava seu equilíbrio noção de espaço, o que em um esporte com a ginástica, poderia ser, literalmente, fatal.

Somente esse risco já bastaria para sua desistência, mas sua decisão foi transformada por alguns em um debate para tratar de importantes temas de uma forma somente a corroborar com as próprias convicções. Utilizou-se sua situação extrema para “atacar” um sociedade que, segundo alguns críticos, está formando cada vez pessoas menos resilientes, utilizando uma infinidade de exemplos de atletas que superaram dificuldades durante a competição, como o notório caso da suíça Gabriela Andersen-Schiess, maratonista, que nas Olímpiadas de 1984 chegou a linha de chegada cambaleante e totalmente fora de si devido a desidratação, em épica cena (re)transmitidas em demasia vezes até hoje, uma efetiva “heroína olímpica”.

Só que se esquecem ou desconhecem que a própria Gabriela condena sua atitude e explica que não, ela não estava em condições de decisão e sim, ela absurdamente colocou sua vida em risco. Não foi somente superação, foi quase um sacrifício, que ficou bonito na frente das câmeras, mas que poderia ter destruído uma família. Ah, mas poderia, não ocorreu, dirão alguns. Mas são casos fora da curva que muitos utilizam para validar ações que resultam em sérios erros.

Aceitar os limites, também é superação. Não confundam como uma ode ao fracasso sem persistência, pois essa é uma linha nem tão tênue que o “coachismo” do “trabalhem enquanto os outros dormem” insiste em desconsiderar. Um filho prefere sua mãe viva sem completar uma prova do que uma heroína olímpica ausente.

Biles com sua decisão não diz para as pessoas não se esforçarem ou desistirem facilmente, até porque não são comuns pessoas que aguentam tão densa rotina do esporte de alto rendimento. O que ela traz em sua atitude é que há vida além do seu trabalho, que cada pessoa é mais do que sua atividade define e principalmente que a saúde mental, importa. As entidades esportivas ou as grandes empresas devem sim focar no alto rendimento, pois o belo se encontra na excelência, mas não somente nela. O caminho percorrido não pode conter só romantizados espinhos. E que é normal cair, mas que ter vergonha de admitir que precisa de ajuda, não deve ser o padrão.

Um atleta não é só um atleta. O que se vê nas telas, no pódio, é o resultado de um processo, mas não um definidor de caráter. Há muito por detrás da vitória e da derrota, e existe mais ainda dentro da pessoa. Acolher e respeitar decisões como a de Biles serve para ajudarmos a formar um ambiente onde as pessoas podem falar de seus medos, reclamar de suas pressões serem julgadas, ao invés de segurar até um devastador transbordar. Tentar relativizar isso ou fazer parecer que se está tentando glamourizar o fracasso só reafirma o quanto ainda temos que caminhar para nos tornarmos uma sociedade saudável.

O que deve ficar é que o conteúdo mental de cada um vai muito além dos limites do corpo físico e do que aparece nas ações cotidianas e que cada mente é um potencial agente transformador da sociedade. E principalmente que enquanto negarmos tal condição, teremos cada vez mais clínicas cheias de “Gabrielas Andersens”, enquanto a sociedade precisa mais de “Simones Biles”. 

Eduardo Mendes – Consultor jurídico

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